Não vale de nada ser um bom cachorro, o melhor amigo de qualquer homem, gato, rato, cavalo ou até mulher. Todo cão nasceu pra ser lobo, são todos caninos, têm suas presas pelo mesmo motivo e seu olhar vazio pela mesma carência. Lobos são mais fortes, com fama de ferozes e indomáveis; cães são astutos, inteligentes, não passam de bons amigos ou souvenires urbanos. Gosto mais dos cachorros, talvez isso seja causado pelo contato, pelo carinho.
Eu certamente seria assombrado pela presença ou rosnado de um cinzento e faminto mamífero com longas presas e muito chão de conhecimento; assim como me recolho, infantilmente, daquilo que me parece “verdade sobre a minha vontade (ou mentira)”. Sou covarde.
Agora me enxergo como um cachorro. Não tenho a menor vocação para subir uma montanha e uivar sem medo de uma avalanche. Ando sempre devagar, olhando matematicamente para os lados e para trás, tentando fazer com que tudo fique calmo à minha volta. Então eu piso fora do meu terreno ou faço sujeira no jardim e tenho o focinho esfregado no chão. Não posso me considerar adestrável, mas um pouco de bom senso cabe a um bom filhote em ascensão.
Espero não encontrar um lobo por aí. Gostaria de sê-lo por um instante, quem sabe por uma vida inteira. Nem sempre é agradável comer em uma tigela com meu nome gravado, mas talvez seja melhor do que me alimentar da carne de meus companheiros.
Amanhã acordarei com uma vontade insuperável de dilacerar alguém com toda a força do mundo. Tenho certeza de que esse alguém será uma bola de borracha. À noite, quando ninguém percebe, eu brinco e finjo que sou um lobo – isso parece coisa de menininha, mas é tão útil quanto masturbação.
Amo minha alcatéia, amo minha matilha, amo as cadelas, amo as lobas, amo a lua e odeio comer ração.
1 comentários:
sempre meio cão, meio lobo da estepe
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